segunda-feira, 30 de maio de 2011

Extradição, já!

Quem enche o peito e a boca se referindo à "decisão soberana baseada em parecer da AGU" sobre a não extradição de Cesare Battisti não sabe o que é soberania, muito menos leu o tal parecer.

O dispositivo legal fundamental apontado no parecer AGU/AG-17/2010 (13) aconselhando ao Presidente a não extradição é o Art. 3º, item 1, letra “f” do Tratado firmado entre Brasil e Itália, que expressa a possibilidade de negá-la quando houver “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião pública, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”.

Muito bem! Identificada a suposta norma garantidora da pretensão, resta apresentar “as razões ponderáveis” que justifiquem a aplicação desta norma. Simples assim.

Ocorre que o parecer da AGU somente atribui como “razões ponderáveis” que possam supor a possibilidade de agravamento da situação pessoal do extraditando, isto: (17) “... passados mais de trinta anos, a mobilização pública é notória e atual (...) constata-se que os episódios em que se envolveu o extraditando conservam elevada dimensão política e ainda mobilizam muitos setores da sociedade nos mais diversos sentidos”, e isto (18): “Na Itália, especificamente, as opiniões polarizaram-se e concretizaram-se em vários atos, a exemplo de entrevistas, manifestos e passeatas. Esses fatos constituem substrato suficiente para configurar-se a suposição de agravamento da situação de Cesare Battisti caso seja extraditado para a Itália”.

Se estes argumentos fossem apresentados a qualquer ex-presidente do Brasil, o Advogado seria exonerado de imediato, mas era Lula.

É risível crer que entrevistas, manifestos e passeatas possam agravar a condição do extraditando. E é mais que aceitável que tais atos ocorram quando um assassino condenado e foragido, como Battisti, é localizado e preso num país com o qual se tem acordo de extradição.

Além do mais, a própria AGU reconhece (16) o Estado italiano como Democrático de Direito, o que propiciaria ao extraditando toda a assistência e garantia legal e humanitária. Um parecer sério deveria recomendar a extradição e o ajuste da pena sentenciada na Itália à realidade processual de execução penal brasileira.

Em sua grande parte, o parecer AGU busca levar-nos a crer que o Presidente pode, por razões subjetivas, negar a extradição. É erro assim pensar! Seria verdade se suas razões subjetivas viessem amparadas nas “razões ponderáveis” que justificassem a decisão, pois ato discricionário deve ser analisado sob o aspecto da legalidade e do mérito. Ninguém dirá que não é do Presidente da República tal atribuição, mas este deve proceder com clareza, sem obscurantismos.

Apresenta-se notadamente uma motivação ideológica do Executivo brasileiro neste parecer. A realidade é que a AGU foi orientada pela ala esquerdista do governo Lula a forjar um parecer contrário à extradição de um “colega” italiano; a buscar no Tratado, algo que lhe permitisse viabilizar a fraudulenta intenção. Foi para isso que o insustentável parecer surgiu.

O Supremo Tribunal Federal havia, num primeiro momento, autorizado a extradição do membro do extremista Proletários Armados pelo Comunismo – observando e conhecendo o Princípio do Devido Processo Legal aplicado ao caso -, mas inovando, pois jamais havia entendido que poderia o Presidente da República contradizer o STF, adimitiu tal hipótese, e no apagar das luzes de seu governo, Lula negou a extradição do condenado italiano. Mas nesse mesmo momento, o Supremo também decidiu que a decisão presidencial deveria obedecer ao Tratado celebrado entre os dois países.

O Supremo agora é chamado a se pronunciar sobre o ato do Presidente; se obedece tal ato o pactuado entre Brasil e Itália. Que exija, pois, nexo entre o pretendido e o apresentado como razões à pretensão. Assim atuando, não encontro outro final que não o regresso de Battisti à sua pátria e ao cárcere.

*O Parecer pode ser lido em http://venha.me/TR Documentos Relacionados » Despacho da AGU.pdf (1.29 MB) 

**Publicado originalmente em http://www.konvenios.com.br/conteudo.php?codItem=20499

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Ficha Limpa e a Lei no Tempo

Com esse artigo concluímos a trilogia sobre a incidência dos Princípios Constitucionais na Lei da Ficha Limpa. Tratamos da Anterioridade e da Presunção de Inocência nos artigos imediatamente anteriores, e agora, da Retroatividade e Irretroatividade, já que estes Princípios são também apresentados ao debate sobre constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. No meu entendimento, despropositadamente, como será claro mais adiante.

O primeiro afirma a possibilidade da aplicação da lei a fatos ocorridos mesmo anteriormente à sua existência, e não apenas aos da atualidade e futuros, enquanto o segundo consagra o direito adquirido e a segurança das relações jurídicas ao presumir que se a lei não existia, ou não era vigente (vacatio legis), por óbvio, não seria de conhecimento da sociedade – portanto não haveria o que se cumprir -, no primeiro caso, e no segundo, por não ser, ainda, direito positivado.

Especialmente na Ficha Limpa observamos a inauguração de uma nova lei no regramento jurídico positivo pátrio que estará a alterar outra lei existente e vigente, o que significa dizer que a lei estreante diz respeito a determinado tema consagrado e só a este será pertinente e alusiva.

Então nos questionamos: a Lei da Ficha Limpa altera as leis nela elencadas e impeditivas de elegibilidade? Ou ainda: guardam relações temáticas a Ficha Limpa e estas leis? Não concebo outra resposta, senão, absolutamente NADA!

Então, por que querem chamar ao caso os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade se a Ficha Limpa - Lei Complementar (LC) 135/2010 - altera outra LC, a 64/90, conforme o artigo 14, § 9º, CF, com quem guarda intimidade consentida e cuja temática é inelegibilidade, portanto restritiva?

A resposta que encontro é que estes, com o maior respeito, querem retirar a Ficha Limpa e as condições de elegibilidade do campo do direito eleitoral (hipóteses de inelegibilidade) para o do penal ou tributário (asseguram a irretroatividade da lei mais gravosa); usar dos sólidos e pertinentes argumentos que tais Princípios afirmam a estes últimos ramos do direito citados para perverterem a questão essencial, qual seja: a moralidade pública e a probidade administrativa, objetivos da Lei questionada. Pretendem evidenciar uma intimidade inexistente.

Isso se mostra ainda mais patente e manifesto, quando se socorrem no Pacto de San José da Costa Rica, artigo 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos, OEA: "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado." Ora, está-se a falar em condenação, pena, delito. Nós falamos de condições de elegibilidade, somente.

Quando a Lei exara que são inelegíveis os que forem condenados pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, por exemplo, significa interpretar que a sociedade, através de seus representantes e de um adequado processo legislativo, não os quer a tratar da res pública, não os considera aptos. Há que se admitir que não serão alcançados os que cometeram tais crimes antes da promulgação da Lei? Isto é Irretroatividade!

Penso negativamente, pois estamos a tratar de inelegibilidade, direito eleitoral, não de pena ou sanção, pertinentes ao direito penal, não cabendo, portanto, usar dos gratos valores constitucionais que os Princípios aqui chamados possuem, para em vez de prestigiarmos a retidão, valorizarmos o desvio.

Assim assertou Norberto Bobbio: "a condição de cidadania atribui ao indivíduo uma situação específica no sistema político, com um status que corresponde a um conjunto de funções. Mas a cada um destes corresponde um complexo de expectativa de comportamento." (Dicionário de política).

Não há também, pelos mesmos motivos - somados ao fato de não se estar a rever nenhum caso julgado – que se referir ao artigo 150, III, a, da Constituição Federal de que, "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

Não há, portanto, como admitir que a Ficha Limpa poderá retroagir e se aplicar e intervir em ato jurídico perfeito. Isso ocorreria caso a Lei viesse para revogar direitos e atos de algum detentor de mandato, o que evidentemente não é a que se propõe, e muito menos se discute em qualquer caso. Ou se viesse a alterar sentença judicial embutindo nesta a pena de inelegibilidade. Em ambas as absurdas hipóteses – forçadas pelos inconvenientes, mas bem intencionados, argumentos dos contrários – caberiam, sim, a boa aplicação dos Princípios aqui em evidência.

A Lei da Ficha Limpa tem como mérito conferido pela Constituição salvaguardar a sociedade disciplinando as situações de inelegibilidade; a impossibilidade do exercício do direito eleitoral passivo (ser votado). É um critério de seleção que visa prestigiar a moralidade e a administração da coisa pública, que não vai além de suas limitações e pretensões. Não é punitiva, mas seletiva; não impõe sanção, mas condição. Não altera outras leis - que não a 64/90 -, tampouco interfere em processos judiciais transitados em julgado ou em curso.

Aplicar Retroatividade ou Irretroatividade a uma lei significa afirmar que esta estaria, necessariamente, a provocar mudança em algum caso concreto julgado ou em julgamento. Ou, no direito tributário, assegurar ao contribuinte segurança em face dos insaciáveis governos ávidos por mais tributos.

Não há, pelas razões expostas, portanto, que se chamar a enfrentar a Lei da Ficha Limpa os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade.

Como dissemos no artigo anterior, por foça de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS, e agora por outra da OAB Federal, o Supremo há de decidir pela constitucionalidade ou não da Ficha Limpa, antes que se inicie o processo eleitoral de 2012, tornando claro o seu alcance.