O
Supremo Tribunal Federal (STF) manteve na sessão plenária do dia 1º de agosto
de 2012, por maioria dos votos e com repercussão geral, apreciando o RE 637485,
o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que se torna
inelegível para o cargo de prefeito, cidadão que já exerceu dois mandatos
consecutivos na chefia de executivo municipal, mesmo que pleiteie candidatura
em município diferente.
Não
pretendo analisar o referido RE, que vai além da tese da “segunda reeleição”, ou
como entendo, da eleição de candidato já reeleito em determinado município
disputar, em seguida, nova eleição para o mesmo cargo de prefeito em
circunscrição diversa (outro município). O RE tratava objetivamente da mudança
na jurisprudência do TSE que teria atingido determinado mandatário.
Nesse
diapasão, enfrento quatro institutos para defender a tese da absoluta
possibilidade da nova candidatura - desde que, é claro, respeite o candidato
todas as formalidades contidas nesses institutos, além das de outros, como, por
exemplo, a regular filiação partidária -, quais sejam: o mandato executivo, a
circunscrição, o colégio e o domicílio eleitorais.
O
mandato eletivo executivo municipal pode ser definido como aquele em que o
eleitorado concede poderes políticos e administrativos a um cidadão, por meio
do voto, para que governe e administre seu município, sendo este, a
circunscrição eleitoral daqueles.
Nas
palavras de Flávio Caetano e Wilson Gomes,
“A circunscrição eleitoral é a zona territorial que delimitará os votos que
serão considerados para determinado cargo eletivo.”. Ou ainda, em se
tratando de eleição para prefeito (ou vereador), a circunscrição eleitoral é o
município, domicílio eleitoral dos candidatos e eleitores.
Colégio
eleitoral é o conjunto de eleitores de determinada circunscrição ou parte dela,
também de uma cidade, um distrito, um bairro.
Em relação ao
domicílio eleitoral, sua definição está nos Acórdãos TSE 16.397/2000 e
18.124/2000: “seu conceito não se
confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e
elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem
vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios)”.
Definidos os
pilares, passo à ruína da Suprema Babel.
No
que tange à reeleição - segundo mandato consecutivo - esta se encontra
agasalhada na Constituição Federal, que assim expressa: Art. 14. “A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,
nos termos da lei, mediante: (...) § 5º O Presidente da
República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem
os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos
para um único período subsequente.”.
Tenho
então, segundo a CRFB/88, que o mandato executivo é garantido em até duas vezes
consecutivas; que, de acordo com o conceito de circunscrição, esta aduz à
localidade (União, Estados, Distrito Federal e Município) onde se exerce o
mandato; que o colégio eleitoral é um grupo limitado à circunscrição e,
finalmente, que o domicílio eleitoral é o município onde exercem os cidadãos
seus direitos políticos ativo e/ou passivo.
Nas
condições acima, posso afirmar que tentar outra (3ª) candidatura na mesma
circunscrição, sob o mesmo colégio onde tenha domicílio eleitoral é
inconstitucional (Art. 14, § 5º). Poderia arrazoar no mesmo sentido caso
tentasse um ex-prefeito reeleito candidatura em outra circunscrição, sob outro
colégio onde passa a ter domicílio eleitoral? Configuraria terceiro mandato se
o candidato fosse eleito por outros munícipes, em outra circunscrição e em novo
domicílio eleitoral?
Estas
questões são respondidas de modo indireto pelo do ministro Celso de Mello no RE
158.314: "É inelegível para o cargo
de prefeito de Município resultante de desmembramento territorial o irmão do
atual chefe do Poder Executivo do município-mãe. O regime jurídico das
inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe
compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que,
norteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa
a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O
primado da ideia republicana – cujo fundamento ético-político repousa no
exercício do regime democrático e no postulado da igualdade – rejeita qualquer
prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar
o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo
eleitoral."
Usando
dos dizeres da CRFB/88 em seu Art. 14, § 7º que afirma serem “inelegíveis, no território de jurisdição
do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau
ou por adoção”, o ministro traz o entendimento de que também é inelegível
no município desmembrado aquele que foi por duas vezes consecutivas chefe de
governo do município-mãe, ou seja, aquele do qual o novo se emancipou politica
e administrativamente, por um conjunto de razões: o colégio (conjunto de
eleitores) do novo era parte integrante do originário; a circunscrição era a
mesma (agora fracionada), o domicílio eleitoral era o mesmo. Portanto, se
candidato naquele, poderia vir a exercer um “terceiro mandato” naquela
circunscrição (embora parte) à qual governou por dois mandatos consecutivos.
Douto entendimento, mas frágil para justificar (e o ministro não o fez)
inelegibilidade de ex-prefeito reeleito em município diverso, afinal, diversos são
a circunscrição, o colégio e o domicílio. Se não houve sequer candidatura
anterior, não há que falar, tampouco, em reeleição.
Cabe
ressaltar que, caso estivesse ainda no primeiro mandato, poderia transferir seu
título eleitoral, de acordo com a lei, e disputar o cargo de prefeito no novo
município (desmembrado), e a Justiça Eleitoral acataria pacificamente, uma vez
que contribui decisivamente para tal prática, como explico abaixo.
Impedir,
como o fizeram o TSE e o STF, uma candidatura inaugural sob o argumento de que
o candidato já teria sido reeleito no pleito anterior por outro colégio e em
outra circunscrição, chamando o institudo constitucional contido no Art. 14, §
5º, parece-me erro fundamental, haja vista que a expressão "reeleitos para um único período
subsequente.” remete à circunscrição e ao colégio eleitoral da eleição
primeira.
Entendo
que não há guarida constitucional ou legal para se considerar inelegível para o
mesmo cargo em circunscrição distinta, para governar outro grupo de pessoas,
quem tenha exercido dois mandatos executivos consecutivos em outro, mas entendo
e corroboro com a preocupação que deu causa ao distorcido, com o maior
respeito, entendimento das maiorias formadas no TSE e STF.
Quem
me acompanha até aqui pode jurar que sou favorável e incentivador dos
“prefeitos itinerantes” ou “prefeitos profissionais”, nas palavras de alguns no
julgamento inicialmente citado. Ao contrário, tenho rigorosas reservas quanto a
determinados procedimentos que visam expansão ou preservação de poder político;
faço apologia do exercício da política honesta e bem praticada; sou pela ética,
apenas não encontro abrigo na Carta Maior dessa nova modalidade de
inelegibilidade inaugurada pelos Tribunais, tampouco no Código Eleitoral (CE).
Se
a intenção era, como deduzi (espero corretamente), rejeitar “qualquer prática que possa monopolizar o
acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental,
comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral.", bastaria
uma providência no que atenta para o instituto do domicílio eleitoral: rigor,
fim do beneplácito do TSE no entendimento que faz sobre o referido instituto!
O Código
Eleitoral em seu Art. 42 expõe que “O
alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor” e o
Parágrafo único define que “é domicílio
eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o
alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.”
O que entende
o TSE em relação ao domicílio eleitoral está nos Acórdãos 16.397 e 18.124,
ambos de 2000: “o conceito de domicílio
eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele,
mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o
interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios).”
É urgente dar-se entendimento
menos “flexível e elástico” se se pretende combater ou inibir as nefastas condutas
contrárias ao “primado da ideia
republicana”. Nesse sentido, seria recomendável que a Corte Eleitoral
viesse a propugnar pela austeridade do Código Civil brasileiro que revela em
seu artigo 70 que “O domicílio da pessoa
natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.”
e, mais enfaticamente, os dizeres do artigo 76 do mesmo diploma acima citado
quando narra que “têm domicílio
necessário (...) o servidor público (...)”, entendendo-se como
“necessário”, o lugar onde exerce permanentemente sua função pública.
Ora,
como aceitar que um prefeito venha a ter domicílio eleitoral outro que não o
município que governa, em plena vigência de seu mandato? É inadmissível essa
tolerância sem a renúncia ao mandato ou pena de perda do mesmo.
A lei
9.504/97, das Eleições, também não é “flexível e elástica” como a
jurisprudência do TSE, senão vejamos: Art. 9º. “Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio
eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes
do pleito...”, tampouco o artigo 55 do CE que rege a transferência de
domicílio, especialmente seu inciso III que exige "residência mínima de
3 (três) meses no novo domicílio". Frise-se "residência",
não domicílio. O entendimento "flexível e elástico" do TSE considera
que, por possuir uma casa de veraneio em outro município, aquele pode ser
também domicílio eleitoral.
Nesse sentido, ter-se-ia que para disputar eleição em outro município, o chefe do executivo teria, necessariamente, que renunciar ao mandato que exerce, 1 (um) ano e 3 (três) meses antes das eleições, o que seria absolutamente desestimulante e desencorajador.
Em
Relatoria no Recurso Especial Eleitoral n.º 18.803, o Ministro Sepúlveda
Pertence já alertava: “O TSE, na
interpretação dos arts. 42 e 55 do CE, tem liberalizado a caracterização do
domicílio para fim eleitoral e possibilitado a transferência - ainda quando o
eleitor não mantenha residência civil na circunscrição - à vista de diferentes
vínculos com o município (histórico e precedentes).”
Interpretar
a lei é atribuição do juiz, flexibilizá-la, esticá-la, é, muitas vezes, abusar
dela, distorcê-la, desfigurá-la favorecendo práticas que o legislador tinha por
fim inibir.