quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Ficha Limpa e a Presunção de Inocência

Em nosso último artigo http://migre.me/4m1so ou http://migre.me/4m1B2 comentamos a incidência do Princípio da Anterioridade (ou Anualidade) da Lei Eleitoral na Ficha Limpa, e concluímos afirmando que outro Princípio constitucional já havia sido apontado por aqueles possivelmente alcançados pela lei, como supostamente violado.

O suposto Princípio violado seria o da Presunção de Inocência, inerente a toda pessoa, segundo a Constituição Federal (CF) e expresso em seu artigo 5º, LVII, onde se lê: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

A Lei Complementar (LC) 135/2010 (Ficha Limpa) veio alterar a LC 64/1990, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14, CF, “... outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (Grifo nosso).

Dizia a LC 64/90 que seriam inelegíveis aqueles que forem condenados com trânsito em julgado (sem mais possibilidade de recurso) nos crimes que dispõe. A LC 135/2010 veio dizer que, além daqueles, os que tenham condenação proferida por órgão judicial colegiado – 2ª instância - (cabendo ainda recurso) também estarão inelegíveis. Eis a controvérsia!

Alguns veem na Ficha Limpa um atentado à Presunção de Inocência, uma vez que contrariaria o artigo 5º, LVII, CF. Outros afirmam não haver ligação entre a Lei e o Princípio suscitado, uma vez que não se trataria de culpabilidade, mas, tão somente, de limite para a condição de exercício de direito político passivo (ser votado), em respeito e atenção ao expresso no artigo 14, § 9º, CF, prestigiando os Princípios da Probidade e da Moralidade públicas.

Tem-se no Direito que não há Princípio absoluto, imperioso; superior hierarquicamente ou de maior valor que outro. Mas, não raramente estes podem colidir ou se enfrentar, restando ao examinador interpretar, com atenção à vontade constitucional, valendo-se de outro: o Princípio da Razoabilidade.

Por que se afirmar que as novas restrições à elegibilidade expressas na Ficha Limpa ferem a Presunção de Inocência se a lei processual penal possibilita que se prive da liberdade a pessoa que nem mesmo tem contra si uma ação penal? A Prisão Cautelar, gênero cujas espécies são a Preventiva e a Temporária, com previsões nos arts. 311 a 316 do CPP e na Lei nº 7960/89, respectivamente, privam por tempo determinado - bem como a Sentença - a liberdade de locomoção, a mais gravosa das penas no Brasil, excetuando a excepcional pena de morte.

Ora, parece claro que se a privação da liberdade pode ser executada sem condenação transitada em julgado, e nem por isso ferindo a Presunção de Inocência da pessoa, é bastante razoável e muito mais claro termos que o impedimento do direito político passivo (privação muito menos dolorosa, convenhamos) também não a fere.

Poder-se-á argumentar que a prisão cautelar é uma exceção. E o é, mas esta é autorizada pela má conduta do investigado ou processado, possibilitando que o Estado o tenha sob sua custódia, impedindo-o do direito comum de ir e vir, somente mediante uma determinação judicial. Da mesma forma, poder-se-á dizer que o Estado, com a entrada no regramento jurídico pátrio da novata Lei, possui agora dispositivos legais que impeçam pessoas de conduta duvidosa de participarem como postulantes a cargos eletivos; que a sociedade corra o risco de que estes possam vir a lidar com a coisa pública.

Ambas as restrições – a processual penal e a eleitoral – têm por fim salvaguardar a sociedade. No primeiro caso contra aquele que pode ou tenta impedir o bom curso da investigação ou processo, e no segundo, contra aquele que já mostrou-se improbo perante duas instâncias judiciais nos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Com todo respeito que nos merece quem pensa o contrário, e muitas das vezes servindo-se de robustos argumentos, parece-nos, ante o exposto, portanto, extremamente frágil o uso deste Princípio da Presunção de Inocência como principal argumento para que se venha a arguir a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Ademais, alguns bons doutrinadores afirmam inconstitucional a vedação à elegibilidade por vida pregressa sem o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, mas são sabedores de que um nacional pode ter seu direito à condição de candidato suspenso somente pelo fato de ser parente de ocupante de cargo público eletivo no momento do registro de candidaturas. Esse nacional, por força do § 7º, art. 14, CF, está inelegível sem que tenha praticado qualquer ato impeditivo, nem por isso algum operador do direito irá afirmar que se estaria a violar o Princípio da Isonomia, constante no artigo 5º, caput, da Carta Maior.

Destarte, concluímos que quando se pretendeu impedir as candidaturas dos elencados no § 7º, art. 14, CF, bem como as dos alcançados pela Ficha Limpa, o Constituinte e o Legislador buscaram na ética as suas fontes.

Segundo Aristóteles, “Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade, a finalidade da cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo, (...); embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um único homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades.

Mas, ao contrário do que ocorreu em relação à dúvida sobre a validade da LC 135/2010 para as eleições daquele mesmo ano, que provocou enorme demanda aos Tribunais e insegurança jurídica até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a prevalência ou não da Presunção de Inocência ante a Lei alteradora da 64/1990 será examinada pelo Supremo antes das eleições de 2012, por foça de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS.

A ADC é meio processual de garantia da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, obtida em exame de controle jurisdicional concentrado, que produz efeito erga omnes e vincula à decisão todos os órgãos do Poder Judiciário e toda a Administração Pública, por via de ação direta, com sede na competência originária da Corte Constitucional, o STF.

Faz-se necessário para que o Supremo aceite a ADC que seja demonstrada objetivamente a existência de controvérsia judicial em torno da constitucionalidade da norma (o que é evidente nesse caso concreto), além de ter o autor de arrazoar refutando as fundamentações quanto às supostas inconstitucionalidades da norma, pleiteando pela sua constitucionalidade.

Por fim, nos resta tratar um outro aspecto supostamente conflitante da Lei da Ficha Limpa: a Retroatividade, ou seja, se quem foi condenado nos crimes previstos na Lei antes da sua vigência, pode ter uma candidatura futura validada ou não.

Este tema também será tratado na ADC proposta, e por nós no próximo artigo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Ficha Limpa e a Anterioridade



 A Lei da Ficha Limpa - Complementar nº 135/2010 –, que alterou a de nº 64/1990, teve origem em um Projeto de Lei (PL) de Iniciativa Popular. 

Esta é amparada pela Constituição Federal (CF) em seu art. 1º, quando exara que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...).”, e regulamentada na lei 9.709/1998. Nesse sentido, o inciso III do art. 14, CF afirma o exercício do poder diretamente pelo povo por meio da Iniciativa Popular (os outros meios são o plebiscito e o referendo). Da mesma forma, o § 2º do art. 61 da Carta Maior e o art. 13, caput da lei regulamentadora estabelecem condições como a apresentação à Câmara dos Deputados de subscrição por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Foi, portanto, o PL de Iniciativa Popular subscrito por, pelo menos, 1,3 milhão de eleitores. Já o art. 14 (da lei) lhe confere o mesmo trâmite processual daqueles originários da Câmara Federal, conforme seu Regimento Interno.

Esta introdução se faz necessária para que possamos entender melhor a “voz das ruas” que brada aos quatro ventos, e especialmente nas sonoras redes sociais, indignação, pois desejava a Ficha Limpa válida e eficaz, imediata e integralmente, ante a exaustão à frouxidão da legislação quanto às condições de elegibilidade entre nós. Notadamente, também, pela complexidade formal a exigir imensa mobilização na propositura de uma Lei de Iniciativa Popular, conforme descrito no parágrafo anterior.

Não tardou para que muitos daqueles que, segundo a Ficha Limpa, não preenchem as mínimas condições éticas e morais de se qualificar como elegíveis buscassem suas pretensões, sob a alegação primeira da validade da lei para aquelas eleições de 2010, na Justiça Eleitoral. Esta lhes frustrou, entendendo a contestada lei como constitucional e vigente desde a sua publicação. Inconformados, buscaram através de recurso o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Após impasse em um determinado julgamento e, finalmente pleno, com o voto do recém-empossado ministro Luiz Fux - decidindo sobre recurso de um parlamentar mineiro contra sua inelegibilidade nas eleições de 2010 -, formou-se apertada (seis votos favoráveis e cinco contrários), porém maioria, no sentido de que a lei não poderia ter sido aplicada às eleições de 2010, portanto, na contramão do entendimento dos Tribunais Regionais e do Superior Eleitorais.

Está, pois, consolidada uma das antes possíveis inconstitucionalidades da Ficha Limpa, a sua aplicação às eleições de 2010, com base na Anterioridade da Lei Eleitoral.

A maioria do STF acompanhou o voto do ministro relator Gilmar Mendes que, dentre tantas, afirmou que “Dificilmente vai se encontrar um caso de mais escancarada, mais escarrada retroatividade (...) a tradição jurídica é de não retroagir (...). É a experiência jurídica dos povos (...) e não mandar retroagir”.

Como oposição naquele julgado, encontramos o pensamento do ministro Lewandowsky (atual presidente do TSE) que afirma: - “Por ocasião do registro, considerada a lei vigente naquele momento, é que são aferidas as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade (...) não se trata de hipótese de retroatividade”.

Este Princípio Constitucional é previsto no art. 16, CF, que transcrevemos: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.  

Ora, se é tão clara a lei, por que a discussão?

Porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), provocado, por maioria de cinco votos dos sete ministros entendeu que, mesmo coincidentes as eleições e o ano de publicação, a lei examinada não violaria o Princípio da Anterioridade, pois – ainda no entendimento do TSE - não estaria a alterar o processo eleitoral, mas apenas a ampliar certas restrições ao exercício do direito político passivo (ser votado).

Sendo também legitimado para o exercício do controle de constitucionalidade de leis, o TSE agiu conforme suas atribuições e prestigiou a nova lei. 

Porém, o controle máximo de constitucionalidade é inerente ao STF, o “Guardião da Constituição”, e, gostemos ou não de uma ou outra decisão, devemos observar a todas sob o estrito sentido do Estado de Direito.

Desse modo, e não como pretendia “a voz das ruas” que bradou consonante a de cinco dos onze ministros do Supremo, a Lei da Ficha Limpa, hoje, é vigente integralmente e produzirá efeitos nas eleições de 2012, tendo afastado nesse tempo, a necessária e constitucional Anterioridade.

Mas não esperemos passividade por parte dos que se veem ainda atingidos pela lei quanto às demais previsões restritivas. Aqueles já elegeram nesta outro Princípio como conflitante com a Carta Maior, que será apreciado em nosso próximo artigo.

domingo, 3 de abril de 2011

A Vocação do Partido Político

O artigo 17 da Constituição Federal assegura que é livre a fusão e incorporação de partidos políticos, e estes, conforme dispõe o artigo 1º da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos), destinam-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo.

O Tribunal Superior Eleitoral - TSE, por ampla maioria, respondendo à Consulta 1398 formulada pelo Partido da Frente Liberal - PFL (hoje Democratas – DEM) interpretou que os partidos devem conservar o direito ao mandato obtido se o eleito se desfiliar para ingressar em outra legenda. Por outro lado, entendeu também que a mudança de legenda pelo parlamentar pode não resultar em perda de mandato, e o fez através da Resolução nº 22.610/2007 que disciplinou as possíveis "justas causas".

A Resolução TSE supracitada agasalha, dentre outras, a criação de Novo partido como possibilidade de manutenção de mandato por parte do parlamentar voluntariamente desfiliado. Nesse sentido, será possível observar movimentações no cenário político para o (mau) uso desta “justa causa” apenas como ponte para ingresso em outra agremiação, através de fusão ou incorporação, deste modo ludibriando o entendimento da Corte Eleitoral e desvirtuando a verdadeira vocação do partido político e, consequentemente, o sistema representativo.

O partido político é pessoa jurídica de direito privado, dotado de caráter permanente, formado por um grupo social que deve se propor a manifestar seus ideais e pensamentos e colocá-los à disposição da sociedade e à avaliação do eleitorado periodicamente, além de ter como meta assumir o poder e realizar o seu programa de governo. Ou, como define J. M. Gil Robles, “un grupo humano formado en torno a un contenido ideológico, que busca la defensa de unos intereses por la conquista legal del poder, inmediato o en un plazo de duración razonable”.

Outra intenção que um grupo tenha na constituição de um novo partido político pode ser considerada fraude. E é bom lembrar que nem tudo que é legal é necessariamente justo, ético ou moral.

No momento em que o Congresso Nacional discute uma reforma política, urge e convém alterar-se o artigo 29 da Lei 9.096/1995, que regra a fusão e incorporação de partidos políticos, para condicioná-los a que tenham, distintamente, determinado tempo de atuação na vida política nacional ou que, ao menos, tenham disputado uma eleição geral, para possibilitar-lhes fundir-se ou um a outro incorporar, reprimindo-se, assim, qualquer rasteira manobra que desqualifique a instituição partido político e a representação partidária, alicerces da democracia.

Tanto a Carta Maior quanto a Lei impedem confundir, ou sinonimar, liberdade e incondicionalidade, por serem limitadoras e condicionantes, como se observa em: “proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes” (art. 17, II, CF) e parágrafos e incisos do artigo que se sugere alterar, respectivamente.

Tenha-se que a criação de nova agremiação no cenário político partidário pátrio seja absolutamente conveniente, por fortalecer o pluripartidarismo e qualificar determinada corrente de pensamento político, conforme a essencial vocação do partido político.