quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Ficha Limpa e a Anterioridade



 A Lei da Ficha Limpa - Complementar nº 135/2010 –, que alterou a de nº 64/1990, teve origem em um Projeto de Lei (PL) de Iniciativa Popular. 

Esta é amparada pela Constituição Federal (CF) em seu art. 1º, quando exara que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...).”, e regulamentada na lei 9.709/1998. Nesse sentido, o inciso III do art. 14, CF afirma o exercício do poder diretamente pelo povo por meio da Iniciativa Popular (os outros meios são o plebiscito e o referendo). Da mesma forma, o § 2º do art. 61 da Carta Maior e o art. 13, caput da lei regulamentadora estabelecem condições como a apresentação à Câmara dos Deputados de subscrição por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Foi, portanto, o PL de Iniciativa Popular subscrito por, pelo menos, 1,3 milhão de eleitores. Já o art. 14 (da lei) lhe confere o mesmo trâmite processual daqueles originários da Câmara Federal, conforme seu Regimento Interno.

Esta introdução se faz necessária para que possamos entender melhor a “voz das ruas” que brada aos quatro ventos, e especialmente nas sonoras redes sociais, indignação, pois desejava a Ficha Limpa válida e eficaz, imediata e integralmente, ante a exaustão à frouxidão da legislação quanto às condições de elegibilidade entre nós. Notadamente, também, pela complexidade formal a exigir imensa mobilização na propositura de uma Lei de Iniciativa Popular, conforme descrito no parágrafo anterior.

Não tardou para que muitos daqueles que, segundo a Ficha Limpa, não preenchem as mínimas condições éticas e morais de se qualificar como elegíveis buscassem suas pretensões, sob a alegação primeira da validade da lei para aquelas eleições de 2010, na Justiça Eleitoral. Esta lhes frustrou, entendendo a contestada lei como constitucional e vigente desde a sua publicação. Inconformados, buscaram através de recurso o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Após impasse em um determinado julgamento e, finalmente pleno, com o voto do recém-empossado ministro Luiz Fux - decidindo sobre recurso de um parlamentar mineiro contra sua inelegibilidade nas eleições de 2010 -, formou-se apertada (seis votos favoráveis e cinco contrários), porém maioria, no sentido de que a lei não poderia ter sido aplicada às eleições de 2010, portanto, na contramão do entendimento dos Tribunais Regionais e do Superior Eleitorais.

Está, pois, consolidada uma das antes possíveis inconstitucionalidades da Ficha Limpa, a sua aplicação às eleições de 2010, com base na Anterioridade da Lei Eleitoral.

A maioria do STF acompanhou o voto do ministro relator Gilmar Mendes que, dentre tantas, afirmou que “Dificilmente vai se encontrar um caso de mais escancarada, mais escarrada retroatividade (...) a tradição jurídica é de não retroagir (...). É a experiência jurídica dos povos (...) e não mandar retroagir”.

Como oposição naquele julgado, encontramos o pensamento do ministro Lewandowsky (atual presidente do TSE) que afirma: - “Por ocasião do registro, considerada a lei vigente naquele momento, é que são aferidas as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade (...) não se trata de hipótese de retroatividade”.

Este Princípio Constitucional é previsto no art. 16, CF, que transcrevemos: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.  

Ora, se é tão clara a lei, por que a discussão?

Porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), provocado, por maioria de cinco votos dos sete ministros entendeu que, mesmo coincidentes as eleições e o ano de publicação, a lei examinada não violaria o Princípio da Anterioridade, pois – ainda no entendimento do TSE - não estaria a alterar o processo eleitoral, mas apenas a ampliar certas restrições ao exercício do direito político passivo (ser votado).

Sendo também legitimado para o exercício do controle de constitucionalidade de leis, o TSE agiu conforme suas atribuições e prestigiou a nova lei. 

Porém, o controle máximo de constitucionalidade é inerente ao STF, o “Guardião da Constituição”, e, gostemos ou não de uma ou outra decisão, devemos observar a todas sob o estrito sentido do Estado de Direito.

Desse modo, e não como pretendia “a voz das ruas” que bradou consonante a de cinco dos onze ministros do Supremo, a Lei da Ficha Limpa, hoje, é vigente integralmente e produzirá efeitos nas eleições de 2012, tendo afastado nesse tempo, a necessária e constitucional Anterioridade.

Mas não esperemos passividade por parte dos que se veem ainda atingidos pela lei quanto às demais previsões restritivas. Aqueles já elegeram nesta outro Princípio como conflitante com a Carta Maior, que será apreciado em nosso próximo artigo.