Sabedores
de que a verdade humana será eternamente parcial, buscamos Drummond em “A
Verdade Dividida” para nos confortar ante nossas desilusões e prepotências: “Chegou-se
a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era perfeitamente bela. E
era preciso optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua
miopia.”
Usamos
deste conforto para apresentar mais tranquilamente o que entendemos ser mais
adequado quando tratamos de sistema eleitoral, da correção de uma extravagância
em nosso atual sistema proporcional: a eleição de uns pouco votados na “carona”
dos votos de outros.
Casos
emblemáticos estão na nossa história eleitoral, como nas eleições de 2002 para
a Câmara Federal em que o candidato por São Paulo, Enéas Carneiro (PRONA),
obtendo mais de 1,5 milhão de votos, “arrastou” para aquela casa outros cinco,
e quatro destes foram diplomados e empossados tendo obtido 673, 484, 382 e 275
votos. Uma demonstração evidente de que o sistema necessita revisão; que este é
seu calcanhar de Aquiles.
Não
concebemos a mudança de um modelo eleitoral tradicional como o nosso em que o
eleitor-cidadão pode optar pelo voto pessoal ou partidário, por outro que o
intime a escolher somente um partido; o impeça de personificar seu voto.
Tampouco seria razoável que desta forma se venha a afirmar estar-se
fortalecendo a instituição partido político, pois esta já é absolutamente
fortalecida tanto pelo Código Eleitoral (art. 87), que somente admite
candidatura através de registro partidário, quanto pelo Tribunal Superior
Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, que entendem pertencer o mandato
parlamentar ao partido político, salvo especiais condições, e continuará a
sê-lo em nossa proposta, como se poderá notar adiante.
Corrigir
a extravagância é o que entendemos ser o melhor, a nossa “metade mais bela”.
Nesse sentido, propomos um modelo misto proporcional e majoritário.
As
eleições para as casas legislativas (exceto o Senado) se dariam da mesma forma
em que hoje a realizamos, mas seus resultados sofreriam alterações substanciais
no que se refere à representatividade do eleito.
O
número de cadeiras hoje obtido por determinado partido ou coligação é indicado
pelo Quociente Partidário (QP), encontrado na divisão do número de votos
válidos dados à mesma legenda ou coligação de legendas, desprezados a fração,
pelo Quociente Eleitoral (QE). Este é obtido dividindo-se o total de votos
válidos na eleição para determinado parlamento pelo número de cadeiras que
compõem este mesmo parlamento. Exemplificando: no Rio de Janeiro, nas eleições
para deputado federal em 2010, foram apurados 7.998.710 votos válidos. O estado
dispõe de 46 cadeiras neste parlamento. Portanto o QE, para o cargo referido,
foi de 173.885 votos.
O
sistema proporcional atual afirma que cada vez que um partido ou coligação
alcance 1 QE, obterá uma cadeira, e tantas cadeiras quantos QEs alcançar. Não
importa se apenas um de seus candidatos obtém sozinho 2 ou mais QEs em votos,
os imediatamente mais votados que aquele no partido ou coligação (caso Enéas)
estão também eleitos. Curiosa e espantosamente, outros candidatos de outros
partidos ou coligações mais votados nominalmente que estes últimos não terão a
mesma sorte, suas eleições.
O
Sistema Eleitoral Misto.
Propomos
fazer cessar a eleição daqueles que não atinjam o mínimo de 20% (vinte por
cento) do QE na eleição a qual disputou e transferir estas vagas aos mais
votados que não obtiveram suas eleições. Desta forma, os partidos que
proporcionalmente obtiverem X cadeiras, as ocuparão apenas por aqueles que
tiverem alcançado o mínimo de votos estabelecidos pelo percentual (os 20%),
enquanto as demais, não preenchidas pela insuficiência de votos de seus
candidatos, seriam transferidas para o sistema majoritário, em ordem
decrescente, dentre os mais votados e não eleitos proporcionalmente, pertençam
a que partido ou coligação pertencerem, pois importará o número de votos
nominais por estes obtidos.
Adotado
este sistema misto, os partidos ou coligações que não dispuserem da totalidade
das cadeiras (QPs) devido ao percentual limitativo (salvo a exceção a seguir)
terão destinado as mesmas à ocupação na forma majoritária.
Poderão
ocorrer casos em que um partido ou coligação venha a obter 1 ou mais QPs, mas
nenhum de seus candidatos alcançado o percentual mínimo que respalde sua
representatividade como eleito. Nestes, apenas, entendemos razoável a eleição
do mais votado (apenas deste), pois assim estaríamos assegurando e prestigiando
o princípio partidário, bem como sendo coerentes com o que consideramos
essencial: a representatividade advinda do voto nominal. Por isso admitimos a
exceção, destinando a cadeira àquele partido.
Trata-se,
pois, de enorme diferença em relação ao engodo do “puxador de legenda”. Este
não traz consigo a grandeza e substância dos partidos ou coligações, mas sua
identidade nominal, somente. E esta reflete, equivocadamente, o tamanho do partido,
e as consequências deste equívoco recaem na participação no Fundo Partidário,
no tempo de veiculação de propagandas partidária e eleitoral gratuitas, dentre
outras, a nosso ver, ilegítimas prerrogativas. É esta a distorção, o equívoco do sistema proporcional.
Concluímos
haver, claramente, diferença imensa entre um partido ou coligação que obtém
representatividade parlamentar, mesmo que o eleito não tenha atingido o mínimo
percentual exigido por lei (futura), e outro que é representado por notórios
irrelevantes em densidade eleitoral, “puxados” pela tolerância ou frouxidão do
sistema vigente.
Nossa
proposta não visa enfraquecer partidos, como se pode observar, mas formar as
casas legislativas de modo a que representem, verdadeiramente, a vontade mais
próxima do eleitor.
Para tanto, torna-se necessária a proposição de lei
alteradora do Código Eleitoral (lei nº 4.737/65), especialmente sua PARTE
QUARTA, TÍTULO I, que trata DO SISTEMA ELEITORAL. E aqui indicamos as
alterações, bem como a justificação.
De
toda sorte, entendemos que o cidadão-eleitor deva se manifestar por meio de
referendo sobre as decisões que envolvem o sistema eleitoral, na forma da
Constituição, não sendo suficiente a representação que delega aos
“iluminados”, muitos destes, caronas eleitorais.