terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ao Senador Pedro Taques


Prezado Senador:
O que de prático será alterado na vida jurídico-penal pátria caso o PLS 240/2010 venha a ser convertido em Lei, se o STF (http://migre.me/5DyEG e AI 757480 AgR-ED/RJ)  e a Lei 8.072/1990 (Dispõe sobre os Crimes Hediondos) em seu Art. 2º e parágrafos admitem a Liberdade Provisória e a Progressão de Regime em tais crimes? Além disso, o aumento da pena mínima de 2 anos para 4 anos – como sugere o PLS - de que adiantaria, a não ser os dois anos a mais, se, na forma do parágrafo 2º, “c” do Art. 33 do Código Penal, o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.”? (Grifo nosso).
Minha limitação não alcança qualquer alteração, por isso, respeitosa e curiosamente, dirijo a V. Exa. estas indagações, que poderão ser respondidas no campo "comentários" para que todos aqueles que venham a ter ciência destas, tenham também da vossa esclarecedora resposta.
Saudações.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

EM DEFESA DO VOTO PROPORCIONAL EM LISTA ABERTA

A Lista eleitoral é um rol de candidatos que cada partido ou coligação partidária, após homologação em suas convenções, apresenta ao cidadão-eleitor para a disputa de determinadas eleições. Admite, predominantemente, pois pode haver variações, duas alternativas: a aberta, utilizada entre nós e outros poucos países da Europa e América do Sul, e a fechada, predominantemente européia, também utilizada em países da América do Sul, da África e por Israel.

De maneira simplória, poderíamos supor que, se utilizada em muito mais países, a lista fechada teria mais vantagens que a aberta, mas devemos levar em conta elementos como história, identidade, população, extensão territorial, dentre outros, na formação de uma adequada conclusão.

A diferença essencial entre ambas está na escolha que o cidadão-eleitor fará. A aberta permite a este votar no candidato de sua preferência constante da lista, ou tão somente na legenda partidária ou da coligação, enquanto a fechada não permite outra senão o voto no partido ou coligação, e os eleitos serão aqueles predeterminados em suas convenções, ou mesmo indicados pelas cúpulas partidárias.

Entre nós, a introdução do voto proporcional em lista aberta data de 1932, tendo sofrido alguma alteração, principalmente por conta da demorada apuração, para as eleições de 1935, mas estas só foram de fato concretizadas em 1945, após o Estado Novo, o 1º governo do Presidente Getúlio Vargas, por razões óbvias. E assim tem sido, com pontuais e jamais essenciais modificações, até os dias de hoje. Trata-se, portanto, de uma tradição.

Instalada nessa legislatura no Senado Federal a Comissão da Reforma Política, sempre anunciada e jamais praticada, surgiram pelo menos três propostas de alteração do atual modelo eleitoral, que não diríamos originárias dos partidos políticos PT, PSDB e PMDB, mas daqueles “iluminados” chefes dos mesmos, pois não temos conhecimento de qualquer discussão interna partidária nesse sentido, muito menos com suas bases.

Colocadas em votação na referida Comissão, saiu vitorioso o modelo de voto proporcional com lista fechada para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. Significa dizer que serão eleitos tantos quantos o partido ou coligação obtiver de cadeiras em determinada casa legislativa, de acordo com as prioridades elencadas na lista. Por exemplo: se o partido A obteve 02 cadeiras para a casa legislativa L, os eleitos serão os dois primeiros da lista, e assim sucessivamente.

Sabedores de que a verdade humana será eternamente parcial, buscamos Drummond em A Verdade Dividida para nos confortar ante nossas desilusões e prepotências: “...Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era perfeitamente bela. E era preciso optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.”

Usamos deste conforto, embora ainda restem etapas que poderão alterar a proposta da Comissão, para apresentar mais tranquilamente o que entendemos ser mais adequado quando tratamos de Reforma eleitoral, a correção de uma extravagância em nosso atual sistema proporcional: a eleição de uns pouco votados na “carona” dos votos de outros.

Casos emblemáticos estão na nossa história eleitoral, como nas eleições de 2002 para a Câmara Federal em que o candidato por São Paulo, Enéas Carneiro (PRONA), obtendo mais de 1 milhão e meio de votos “arrastou” para aquela casa outros cinco, e quatro destes foram diplomados e empossados tendo obtido 673, 484, 382 e 275 votos. Uma demostração evidente de que o sistema necessita revisão; que este é seu calcanhar de Aquiles.

Não concebemos a mudança de um modelo tradicional como o nosso em que o eleitor-cidadão pode optar pelo voto pessoal ou partidário por outro que o intime a escolher somente um partido, a ser impedido de personificar seu voto. Não seria razoável que desta forma se venha a afirmar que estaríamos fortalecendo a instituição partido político, pois esta já é absolutamente fortalecida tanto pelo Código Eleitoral, que somente admite candidatura de filiados, como pelo Supremo Tribunal Federal que entendeu pertencer o mandato parlamentar ao partido político.

Corrigir a extravagância é o que entendemos ser o melhor, a nossa “metade mais bela”. Nesse sentido, propomos um modelo misto proporcional e majoritário.

As eleições para as casas legislativas se dariam da mesma forma que hoje a realizamos, mas seus resultados sofreriam alterações substanciais no que se refere à representatividade do eleito.

O que determina o número de cadeiras para determinado partido ou coligação é o Quociente Eleitoral (QE). Este é obtido dividindo-se o total de votos válidos na eleição para determinado parlamento pelo número de parlamentares que compõem este mesmo parlamento. Exemplificando: no Rio de Janeiro, nas eleições para deputado federal em 2010, foram computados 7.998.710 votos válidos. O estado dispõe de 46 cadeiras neste parlamento. Portanto o QE foi de 173.885 votos.

O sistema atual afirma que cada vez que um partido ou coligação obtenha 1 QE, este obterá uma cadeira, e tantas cadeiras quantos QEs atingir. Não importa se apenas um de seus canditados obteve sozinho 2 ou mais QEs em votos, os imediatamente mais votados que aquele no partido ou coligação (caso Enéas) estariam também eleitos. Curiosamente, outros candidatos de outros partidos ou coligações mais votados que estes últimos não obteriam suas eleições.

Propomos restringir a eleição daqueles que não atinjam determinado percentual (20% talvez) do QE e transferir estas vagas aos mais votados que não obtiveram suas eleições. Dessa forma, os partidos que proporcionalmente obtiverem X cadeiras, as ocuparão apenas por aqueles que tiverem alcançado o mínimo de votos estabelecidos pelo percentual (os 20%), enquanto as demais, não preenchidas pela insuficiência de voto de seus candidatos, seriam transferidas para o sistema majoritário, em ordem decrescente, dentre os mais votados e não eleitos proporcionalmente, pertençam a que partido ou coligação pertencerem, pois importará o número de votos por estes obtidos.

Adotado este modelo, os partidos ou coligações que não dispuserem da totalidade de suas cadeiras na forma proporcional devido ao percentual limitativo, terão destinado as mesmas à ocupação na forma majoritária.

De toda sorte, acreditamos que a sociedade deva se manifestar por meio de referendo sobre as decisões que envolvem o sistema eleitoral, já que, como dissemos, as propostas debatidas e a consagrada saíram das mentes de caciques partidários. Não mereceram debate ou consulta. Entendemos que este tema seja de interesse direto do cidadão-eleitor e que este deva se manifestar diretamente, na forma da Constituição, não sendo suficiente, nesse caso, a representação que delega aos “iluminados”.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Lei do Salário Mínimo e as Razões para o Controle de Constitucionalidade

A Lei Ordinária 12.382/2011, oriunda do Projeto de Lei nº 382/2011 de autoria do Poder Executivo, além de fixar o valor do salário mínimo (SM) a viger em 2011 (art. 1º e Parágrafo único) e estabelecer diretrizes para a fixação dos salários mínimos de 2012 a 2015 (art. 2º, Parágrafos e Incisos), dentre outras disposições, apresenta, no mínimo, uma controversa novidade.

Pretende a Lei - que entendemos, em parte, inconstitucional -, no período descrito acima, mudar a forma de regulamentar o salário mínimo nacional, fazendo-a através de Decreto e não de Lei (art. 3º e Parágrafo único).

Nesse sentido, o Executivo dá sinais de desprezo pelo Poder Legislativo, pois retira deste a capacidade de apreciar, discutir e alterar o que emana daquele.

Não diríamos que a Presidente se inspirou no Absolutismo europeu, mas a edição do PL do SM, senão pela matéria ao menos pela forma, nos remete às Idades Média e Moderna, períodos em que brotou e se desenvolveu esta forma de governo que concentrava em uma pessoa ou grupo social o poder sobre o Estado.

Quando aceitamos e defendemos a fixação do SM por Decreto afirmado promover a segurança às relações sociais por conhecermos a regra da suposta evolução do SM, ou sob qualquer outro argumento, prestigiamos uma política (salarial) de governo - transitória como o próprio - em detrimento da rigidez constitucional, pela via de pô-la em prática, operando uma alteração constitucional sem o devido processo legislativo.

Todo governo tem o poder de, à sua análise, propor a política que considere a mais adequada, porém, tem o dever de observar e obedecer as regras estabelecidas pela Constituição e pelas Leis. Não nos surpreende que o Executivo não siga a tramitação adequada, haja vista, e não justificando, o anseio por celeridade, mas nos cobre de desesperança a passividade do Legislativo (Câmara e Senado) diante de tamanha e assombrosa intromissão em suas típicas funções constitucionais.

De todo modo, preocupa-nos sobremaneira que um governo com folgada maioria nas duas Casas legislativas lance mão de impróprio procedimento para fazer valer sua vontade.

Desconstruamos, pois, à luz da Carta Maior, o que a nova norma - especialmente o art. 3º e seu Parágrafo único - apresenta e propõe mudar na vida político-jurídica do país.

A Constituição Federal (CF) afirma expressamente ser direito do trabalhador urbano e rural (art. 7º), dentre outros, o salário mínimo, fixado em Lei (inciso IV). Quisesse o constituinte originário que a matéria fosse tratada apenas na alçada executiva teria se expressado de outra forma, mas, ao contrário, atribui ao salário mínimo status de direito social e garantia fundamental do trabalhador, e houve por bem dispô-la às Casas legislativas.

As várias competências privativas do Presidente da República estão disciplinadas no art. 84, CF, e nenhuma faz referência à fixação do salário mínimo, o que impõe a participação do Legislativo na apreciação da matéria, na forma do art. 64, Caput, CF.

A Separação dos Poderes, Princípio Fundamental previsto no art. 2º, CF, não é afrontada quando determinado Poder republicano exercita funções atipicas à sua e típicas de outro, desde que haja previsão legal que autorize essa exceção, conforme observamos no mesmo artigo 84 acima citado, em seu inciso VI, que assegura o uso do Decreto pelo Executivo, porém, somente sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Como vemos, apenas no artigo 84 da Carta Maior encontramos dois empecilhos à nova norma: a incompetência do Executivo para tratar privativamente da matéria salário mínimo, bem com a forma de apresentá-la.

Não podemos restringir esta grave afronta à Constituição e pensar que estamos a tratar somente da forma de proposição de um instituto. Está em jogo a democracia brasileira quando um Poder usurpa de outro suas funções; quando o Executivo através de Lei - mesmo aprovada pelas Casas legislativas – textualiza que a partir da publicação dessa Lei fará o que lhe impede ou não lhe autoriza a Constituição da República.

Diante destas e possivelmente outras evidências de inconstitucionalidade, os Partidos Políticos de oposição DEM, PPS e PSDB protocolaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal a fim de trazer de volta a segurança jurídica, política e institucional à vida brasileira. Esperamos, pelo que acima demonstramos, o entendimento da Corte Constitucional em controle concentrado das normas, no sentido de declarar o artigo 3º e Parágrafo único da Lei 12.382/2011 inconstitucionais quando do julgamento da referia ADI.


A Lei 12.382/2011 aqui http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12382.htm

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Extradição, já!

Quem enche o peito e a boca se referindo à "decisão soberana baseada em parecer da AGU" sobre a não extradição de Cesare Battisti não sabe o que é soberania, muito menos leu o tal parecer.

O dispositivo legal fundamental apontado no parecer AGU/AG-17/2010 (13) aconselhando ao Presidente a não extradição é o Art. 3º, item 1, letra “f” do Tratado firmado entre Brasil e Itália, que expressa a possibilidade de negá-la quando houver “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião pública, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”.

Muito bem! Identificada a suposta norma garantidora da pretensão, resta apresentar “as razões ponderáveis” que justifiquem a aplicação desta norma. Simples assim.

Ocorre que o parecer da AGU somente atribui como “razões ponderáveis” que possam supor a possibilidade de agravamento da situação pessoal do extraditando, isto: (17) “... passados mais de trinta anos, a mobilização pública é notória e atual (...) constata-se que os episódios em que se envolveu o extraditando conservam elevada dimensão política e ainda mobilizam muitos setores da sociedade nos mais diversos sentidos”, e isto (18): “Na Itália, especificamente, as opiniões polarizaram-se e concretizaram-se em vários atos, a exemplo de entrevistas, manifestos e passeatas. Esses fatos constituem substrato suficiente para configurar-se a suposição de agravamento da situação de Cesare Battisti caso seja extraditado para a Itália”.

Se estes argumentos fossem apresentados a qualquer ex-presidente do Brasil, o Advogado seria exonerado de imediato, mas era Lula.

É risível crer que entrevistas, manifestos e passeatas possam agravar a condição do extraditando. E é mais que aceitável que tais atos ocorram quando um assassino condenado e foragido, como Battisti, é localizado e preso num país com o qual se tem acordo de extradição.

Além do mais, a própria AGU reconhece (16) o Estado italiano como Democrático de Direito, o que propiciaria ao extraditando toda a assistência e garantia legal e humanitária. Um parecer sério deveria recomendar a extradição e o ajuste da pena sentenciada na Itália à realidade processual de execução penal brasileira.

Em sua grande parte, o parecer AGU busca levar-nos a crer que o Presidente pode, por razões subjetivas, negar a extradição. É erro assim pensar! Seria verdade se suas razões subjetivas viessem amparadas nas “razões ponderáveis” que justificassem a decisão, pois ato discricionário deve ser analisado sob o aspecto da legalidade e do mérito. Ninguém dirá que não é do Presidente da República tal atribuição, mas este deve proceder com clareza, sem obscurantismos.

Apresenta-se notadamente uma motivação ideológica do Executivo brasileiro neste parecer. A realidade é que a AGU foi orientada pela ala esquerdista do governo Lula a forjar um parecer contrário à extradição de um “colega” italiano; a buscar no Tratado, algo que lhe permitisse viabilizar a fraudulenta intenção. Foi para isso que o insustentável parecer surgiu.

O Supremo Tribunal Federal havia, num primeiro momento, autorizado a extradição do membro do extremista Proletários Armados pelo Comunismo – observando e conhecendo o Princípio do Devido Processo Legal aplicado ao caso -, mas inovando, pois jamais havia entendido que poderia o Presidente da República contradizer o STF, adimitiu tal hipótese, e no apagar das luzes de seu governo, Lula negou a extradição do condenado italiano. Mas nesse mesmo momento, o Supremo também decidiu que a decisão presidencial deveria obedecer ao Tratado celebrado entre os dois países.

O Supremo agora é chamado a se pronunciar sobre o ato do Presidente; se obedece tal ato o pactuado entre Brasil e Itália. Que exija, pois, nexo entre o pretendido e o apresentado como razões à pretensão. Assim atuando, não encontro outro final que não o regresso de Battisti à sua pátria e ao cárcere.

*O Parecer pode ser lido em http://venha.me/TR Documentos Relacionados » Despacho da AGU.pdf (1.29 MB) 

**Publicado originalmente em http://www.konvenios.com.br/conteudo.php?codItem=20499

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Ficha Limpa e a Lei no Tempo

Com esse artigo concluímos a trilogia sobre a incidência dos Princípios Constitucionais na Lei da Ficha Limpa. Tratamos da Anterioridade e da Presunção de Inocência nos artigos imediatamente anteriores, e agora, da Retroatividade e Irretroatividade, já que estes Princípios são também apresentados ao debate sobre constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. No meu entendimento, despropositadamente, como será claro mais adiante.

O primeiro afirma a possibilidade da aplicação da lei a fatos ocorridos mesmo anteriormente à sua existência, e não apenas aos da atualidade e futuros, enquanto o segundo consagra o direito adquirido e a segurança das relações jurídicas ao presumir que se a lei não existia, ou não era vigente (vacatio legis), por óbvio, não seria de conhecimento da sociedade – portanto não haveria o que se cumprir -, no primeiro caso, e no segundo, por não ser, ainda, direito positivado.

Especialmente na Ficha Limpa observamos a inauguração de uma nova lei no regramento jurídico positivo pátrio que estará a alterar outra lei existente e vigente, o que significa dizer que a lei estreante diz respeito a determinado tema consagrado e só a este será pertinente e alusiva.

Então nos questionamos: a Lei da Ficha Limpa altera as leis nela elencadas e impeditivas de elegibilidade? Ou ainda: guardam relações temáticas a Ficha Limpa e estas leis? Não concebo outra resposta, senão, absolutamente NADA!

Então, por que querem chamar ao caso os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade se a Ficha Limpa - Lei Complementar (LC) 135/2010 - altera outra LC, a 64/90, conforme o artigo 14, § 9º, CF, com quem guarda intimidade consentida e cuja temática é inelegibilidade, portanto restritiva?

A resposta que encontro é que estes, com o maior respeito, querem retirar a Ficha Limpa e as condições de elegibilidade do campo do direito eleitoral (hipóteses de inelegibilidade) para o do penal ou tributário (asseguram a irretroatividade da lei mais gravosa); usar dos sólidos e pertinentes argumentos que tais Princípios afirmam a estes últimos ramos do direito citados para perverterem a questão essencial, qual seja: a moralidade pública e a probidade administrativa, objetivos da Lei questionada. Pretendem evidenciar uma intimidade inexistente.

Isso se mostra ainda mais patente e manifesto, quando se socorrem no Pacto de San José da Costa Rica, artigo 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos, OEA: "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado." Ora, está-se a falar em condenação, pena, delito. Nós falamos de condições de elegibilidade, somente.

Quando a Lei exara que são inelegíveis os que forem condenados pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, por exemplo, significa interpretar que a sociedade, através de seus representantes e de um adequado processo legislativo, não os quer a tratar da res pública, não os considera aptos. Há que se admitir que não serão alcançados os que cometeram tais crimes antes da promulgação da Lei? Isto é Irretroatividade!

Penso negativamente, pois estamos a tratar de inelegibilidade, direito eleitoral, não de pena ou sanção, pertinentes ao direito penal, não cabendo, portanto, usar dos gratos valores constitucionais que os Princípios aqui chamados possuem, para em vez de prestigiarmos a retidão, valorizarmos o desvio.

Assim assertou Norberto Bobbio: "a condição de cidadania atribui ao indivíduo uma situação específica no sistema político, com um status que corresponde a um conjunto de funções. Mas a cada um destes corresponde um complexo de expectativa de comportamento." (Dicionário de política).

Não há também, pelos mesmos motivos - somados ao fato de não se estar a rever nenhum caso julgado – que se referir ao artigo 150, III, a, da Constituição Federal de que, "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

Não há, portanto, como admitir que a Ficha Limpa poderá retroagir e se aplicar e intervir em ato jurídico perfeito. Isso ocorreria caso a Lei viesse para revogar direitos e atos de algum detentor de mandato, o que evidentemente não é a que se propõe, e muito menos se discute em qualquer caso. Ou se viesse a alterar sentença judicial embutindo nesta a pena de inelegibilidade. Em ambas as absurdas hipóteses – forçadas pelos inconvenientes, mas bem intencionados, argumentos dos contrários – caberiam, sim, a boa aplicação dos Princípios aqui em evidência.

A Lei da Ficha Limpa tem como mérito conferido pela Constituição salvaguardar a sociedade disciplinando as situações de inelegibilidade; a impossibilidade do exercício do direito eleitoral passivo (ser votado). É um critério de seleção que visa prestigiar a moralidade e a administração da coisa pública, que não vai além de suas limitações e pretensões. Não é punitiva, mas seletiva; não impõe sanção, mas condição. Não altera outras leis - que não a 64/90 -, tampouco interfere em processos judiciais transitados em julgado ou em curso.

Aplicar Retroatividade ou Irretroatividade a uma lei significa afirmar que esta estaria, necessariamente, a provocar mudança em algum caso concreto julgado ou em julgamento. Ou, no direito tributário, assegurar ao contribuinte segurança em face dos insaciáveis governos ávidos por mais tributos.

Não há, pelas razões expostas, portanto, que se chamar a enfrentar a Lei da Ficha Limpa os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade.

Como dissemos no artigo anterior, por foça de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS, e agora por outra da OAB Federal, o Supremo há de decidir pela constitucionalidade ou não da Ficha Limpa, antes que se inicie o processo eleitoral de 2012, tornando claro o seu alcance.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Ficha Limpa e a Presunção de Inocência

Em nosso último artigo http://migre.me/4m1so ou http://migre.me/4m1B2 comentamos a incidência do Princípio da Anterioridade (ou Anualidade) da Lei Eleitoral na Ficha Limpa, e concluímos afirmando que outro Princípio constitucional já havia sido apontado por aqueles possivelmente alcançados pela lei, como supostamente violado.

O suposto Princípio violado seria o da Presunção de Inocência, inerente a toda pessoa, segundo a Constituição Federal (CF) e expresso em seu artigo 5º, LVII, onde se lê: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

A Lei Complementar (LC) 135/2010 (Ficha Limpa) veio alterar a LC 64/1990, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14, CF, “... outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (Grifo nosso).

Dizia a LC 64/90 que seriam inelegíveis aqueles que forem condenados com trânsito em julgado (sem mais possibilidade de recurso) nos crimes que dispõe. A LC 135/2010 veio dizer que, além daqueles, os que tenham condenação proferida por órgão judicial colegiado – 2ª instância - (cabendo ainda recurso) também estarão inelegíveis. Eis a controvérsia!

Alguns veem na Ficha Limpa um atentado à Presunção de Inocência, uma vez que contrariaria o artigo 5º, LVII, CF. Outros afirmam não haver ligação entre a Lei e o Princípio suscitado, uma vez que não se trataria de culpabilidade, mas, tão somente, de limite para a condição de exercício de direito político passivo (ser votado), em respeito e atenção ao expresso no artigo 14, § 9º, CF, prestigiando os Princípios da Probidade e da Moralidade públicas.

Tem-se no Direito que não há Princípio absoluto, imperioso; superior hierarquicamente ou de maior valor que outro. Mas, não raramente estes podem colidir ou se enfrentar, restando ao examinador interpretar, com atenção à vontade constitucional, valendo-se de outro: o Princípio da Razoabilidade.

Por que se afirmar que as novas restrições à elegibilidade expressas na Ficha Limpa ferem a Presunção de Inocência se a lei processual penal possibilita que se prive da liberdade a pessoa que nem mesmo tem contra si uma ação penal? A Prisão Cautelar, gênero cujas espécies são a Preventiva e a Temporária, com previsões nos arts. 311 a 316 do CPP e na Lei nº 7960/89, respectivamente, privam por tempo determinado - bem como a Sentença - a liberdade de locomoção, a mais gravosa das penas no Brasil, excetuando a excepcional pena de morte.

Ora, parece claro que se a privação da liberdade pode ser executada sem condenação transitada em julgado, e nem por isso ferindo a Presunção de Inocência da pessoa, é bastante razoável e muito mais claro termos que o impedimento do direito político passivo (privação muito menos dolorosa, convenhamos) também não a fere.

Poder-se-á argumentar que a prisão cautelar é uma exceção. E o é, mas esta é autorizada pela má conduta do investigado ou processado, possibilitando que o Estado o tenha sob sua custódia, impedindo-o do direito comum de ir e vir, somente mediante uma determinação judicial. Da mesma forma, poder-se-á dizer que o Estado, com a entrada no regramento jurídico pátrio da novata Lei, possui agora dispositivos legais que impeçam pessoas de conduta duvidosa de participarem como postulantes a cargos eletivos; que a sociedade corra o risco de que estes possam vir a lidar com a coisa pública.

Ambas as restrições – a processual penal e a eleitoral – têm por fim salvaguardar a sociedade. No primeiro caso contra aquele que pode ou tenta impedir o bom curso da investigação ou processo, e no segundo, contra aquele que já mostrou-se improbo perante duas instâncias judiciais nos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Com todo respeito que nos merece quem pensa o contrário, e muitas das vezes servindo-se de robustos argumentos, parece-nos, ante o exposto, portanto, extremamente frágil o uso deste Princípio da Presunção de Inocência como principal argumento para que se venha a arguir a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Ademais, alguns bons doutrinadores afirmam inconstitucional a vedação à elegibilidade por vida pregressa sem o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, mas são sabedores de que um nacional pode ter seu direito à condição de candidato suspenso somente pelo fato de ser parente de ocupante de cargo público eletivo no momento do registro de candidaturas. Esse nacional, por força do § 7º, art. 14, CF, está inelegível sem que tenha praticado qualquer ato impeditivo, nem por isso algum operador do direito irá afirmar que se estaria a violar o Princípio da Isonomia, constante no artigo 5º, caput, da Carta Maior.

Destarte, concluímos que quando se pretendeu impedir as candidaturas dos elencados no § 7º, art. 14, CF, bem como as dos alcançados pela Ficha Limpa, o Constituinte e o Legislador buscaram na ética as suas fontes.

Segundo Aristóteles, “Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade, a finalidade da cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo, (...); embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um único homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades.

Mas, ao contrário do que ocorreu em relação à dúvida sobre a validade da LC 135/2010 para as eleições daquele mesmo ano, que provocou enorme demanda aos Tribunais e insegurança jurídica até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a prevalência ou não da Presunção de Inocência ante a Lei alteradora da 64/1990 será examinada pelo Supremo antes das eleições de 2012, por foça de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS.

A ADC é meio processual de garantia da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, obtida em exame de controle jurisdicional concentrado, que produz efeito erga omnes e vincula à decisão todos os órgãos do Poder Judiciário e toda a Administração Pública, por via de ação direta, com sede na competência originária da Corte Constitucional, o STF.

Faz-se necessário para que o Supremo aceite a ADC que seja demonstrada objetivamente a existência de controvérsia judicial em torno da constitucionalidade da norma (o que é evidente nesse caso concreto), além de ter o autor de arrazoar refutando as fundamentações quanto às supostas inconstitucionalidades da norma, pleiteando pela sua constitucionalidade.

Por fim, nos resta tratar um outro aspecto supostamente conflitante da Lei da Ficha Limpa: a Retroatividade, ou seja, se quem foi condenado nos crimes previstos na Lei antes da sua vigência, pode ter uma candidatura futura validada ou não.

Este tema também será tratado na ADC proposta, e por nós no próximo artigo.