sábado, 25 de agosto de 2012

Suprema Babel





O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve na sessão plenária do dia 1º de agosto de 2012, por maioria dos votos e com repercussão geral, apreciando o RE 637485, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que se torna inelegível para o cargo de prefeito, cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos na chefia de executivo municipal, mesmo que pleiteie candidatura em município diferente. 

Não pretendo analisar o referido RE, que vai além da tese da “segunda reeleição”, ou como entendo, da eleição de candidato já reeleito em determinado município disputar, em seguida, nova eleição para o mesmo cargo de prefeito em circunscrição diversa (outro município). O RE tratava objetivamente da mudança na jurisprudência do TSE que teria atingido determinado mandatário.

Nesse diapasão, enfrento quatro institutos para defender a tese da absoluta possibilidade da nova candidatura - desde que, é claro, respeite o candidato todas as formalidades contidas nesses institutos, além das de outros, como, por exemplo, a regular filiação partidária -, quais sejam: o mandato executivo, a circunscrição, o colégio e o domicílio eleitorais. 

O mandato eletivo executivo municipal pode ser definido como aquele em que o eleitorado concede poderes políticos e administrativos a um cidadão, por meio do voto, para que governe e administre seu município, sendo este, a circunscrição eleitoral daqueles. 

Nas palavras de Flávio Caetano e Wilson Gomes, “A circunscrição eleitoral é a zona territorial que delimitará os votos que serão considerados para determinado cargo eletivo.”. Ou ainda, em se tratando de eleição para prefeito (ou vereador), a circunscrição eleitoral é o município, domicílio eleitoral dos candidatos e eleitores.

Colégio eleitoral é o conjunto de eleitores de determinada circunscrição ou parte dela, também de uma cidade, um distrito, um bairro.

Em relação ao domicílio eleitoral, sua definição está nos Acórdãos TSE 16.397/2000 e 18.124/2000: “seu conceito não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios)”.

Definidos os pilares, passo à ruína da Suprema Babel.

No que tange à reeleição - segundo mandato consecutivo - esta se encontra agasalhada na Constituição Federal, que assim expressa: Art. 14. “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.”.

Tenho então, segundo a CRFB/88, que o mandato executivo é garantido em até duas vezes consecutivas; que, de acordo com o conceito de circunscrição, esta aduz à localidade (União, Estados, Distrito Federal e Município) onde se exerce o mandato; que o colégio eleitoral é um grupo limitado à circunscrição e, finalmente, que o domicílio eleitoral é o município onde exercem os cidadãos seus direitos políticos ativo e/ou passivo.

Nas condições acima, posso afirmar que tentar outra (3ª) candidatura na mesma circunscrição, sob o mesmo colégio onde tenha domicílio eleitoral é inconstitucional (Art. 14, § 5º). Poderia arrazoar no mesmo sentido caso tentasse um ex-prefeito reeleito candidatura em outra circunscrição, sob outro colégio onde passa a ter domicílio eleitoral? Configuraria terceiro mandato se o candidato fosse eleito por outros munícipes, em outra circunscrição e em novo domicílio eleitoral? 

Estas questões são respondidas de modo indireto pelo do ministro Celso de Mello no RE 158.314: "É inelegível para o cargo de prefeito de Município resultante de desmembramento territorial o irmão do atual chefe do Poder Executivo do município-mãe. O regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que, norteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O primado da ideia republicana – cujo fundamento ético-político repousa no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade – rejeita qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral."
 
Usando dos dizeres da CRFB/88 em seu Art. 14, § 7º que afirma serem “inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção”, o ministro traz o entendimento de que também é inelegível no município desmembrado aquele que foi por duas vezes consecutivas chefe de governo do município-mãe, ou seja, aquele do qual o novo se emancipou politica e administrativamente, por um conjunto de razões: o colégio (conjunto de eleitores) do novo era parte integrante do originário; a circunscrição era a mesma (agora fracionada), o domicílio eleitoral era o mesmo. Portanto, se candidato naquele, poderia vir a exercer um “terceiro mandato” naquela circunscrição (embora parte) à qual governou por dois mandatos consecutivos. Douto entendimento, mas frágil para justificar (e o ministro não o fez) inelegibilidade de ex-prefeito reeleito em município diverso, afinal, diversos são a circunscrição, o colégio e o domicílio. Se não houve sequer candidatura anterior, não há que falar, tampouco, em reeleição. 

Cabe ressaltar que, caso estivesse ainda no primeiro mandato, poderia transferir seu título eleitoral, de acordo com a lei, e disputar o cargo de prefeito no novo município (desmembrado), e a Justiça Eleitoral acataria pacificamente, uma vez que contribui decisivamente para tal prática, como explico abaixo.

Impedir, como o fizeram o TSE e o STF, uma candidatura inaugural sob o argumento de que o candidato já teria sido reeleito no pleito anterior por outro colégio e em outra circunscrição, chamando o institudo constitucional contido no Art. 14, § 5º, parece-me erro fundamental, haja vista que a expressão "reeleitos para um único período subsequente.” remete à circunscrição e ao colégio eleitoral da eleição primeira.

Entendo que não há guarida constitucional ou legal para se considerar inelegível para o mesmo cargo em circunscrição distinta, para governar outro grupo de pessoas, quem tenha exercido dois mandatos executivos consecutivos em outro, mas entendo e corroboro com a preocupação que deu causa ao distorcido, com o maior respeito, entendimento das maiorias formadas no TSE e STF.

Quem me acompanha até aqui pode jurar que sou favorável e incentivador dos “prefeitos itinerantes” ou “prefeitos profissionais”, nas palavras de alguns no julgamento inicialmente citado. Ao contrário, tenho rigorosas reservas quanto a determinados procedimentos que visam expansão ou preservação de poder político; faço apologia do exercício da política honesta e bem praticada; sou pela ética, apenas não encontro abrigo na Carta Maior dessa nova modalidade de inelegibilidade inaugurada pelos Tribunais, tampouco no Código Eleitoral (CE).

Se a intenção era, como deduzi (espero corretamente), rejeitar “qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral.", bastaria uma providência no que atenta para o instituto do domicílio eleitoral: rigor, fim do beneplácito do TSE no entendimento que faz sobre o referido instituto!

O Código Eleitoral em seu Art. 42 expõe que “O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor” e o Parágrafo único define que “é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

O que entende o TSE em relação ao domicílio eleitoral está nos Acórdãos 16.397 e 18.124, ambos de 2000: “o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios).

É urgente dar-se entendimento menos “flexível e elástico” se se pretende combater ou inibir as nefastas condutas contrárias ao “primado da ideia republicana”. Nesse sentido, seria recomendável que a Corte Eleitoral viesse a propugnar pela austeridade do Código Civil brasileiro que revela em seu artigo 70 que “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.” e, mais enfaticamente, os dizeres do artigo 76 do mesmo diploma acima citado quando narra que “têm domicílio necessário (...) o servidor público (...)”, entendendo-se como “necessário”, o lugar onde exerce permanentemente sua função pública.

Ora, como aceitar que um prefeito venha a ter domicílio eleitoral outro que não o município que governa, em plena vigência de seu mandato? É inadmissível essa tolerância sem a renúncia ao mandato ou pena de perda do mesmo.

A lei 9.504/97, das Eleições, também não é “flexível e elástica” como a jurisprudência do TSE, senão vejamos: Art. 9º. “Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito...”, tampouco o artigo 55 do CE que rege a transferência de domicílio, especialmente seu inciso III que exige "residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio". Frise-se "residência", não domicílio. O entendimento "flexível e elástico" do TSE considera que, por possuir uma casa de veraneio em outro município, aquele pode ser também domicílio eleitoral.

            Nesse sentido, ter-se-ia que para disputar eleição em outro município, o chefe do executivo teria, necessariamente, que renunciar ao mandato que exerce, 1 (um) ano e 3 (três) meses antes das eleições, o que seria absolutamente desestimulante e desencorajador.

Em Relatoria no Recurso Especial Eleitoral n.º 18.803, o Ministro Sepúlveda Pertence já alertava: O TSE, na interpretação dos arts. 42 e 55 do CE, tem liberalizado a caracterização do domicílio para fim eleitoral e possibilitado a transferência - ainda quando o eleitor não mantenha residência civil na circunscrição - à vista de diferentes vínculos com o município (histórico e precedentes).”

Interpretar a lei é atribuição do juiz, flexibilizá-la, esticá-la, é, muitas vezes, abusar dela, distorcê-la, desfigurá-la favorecendo práticas que o legislador tinha por fim inibir.

            Por fim, “Eles decidiram adorar a criação e não o Criador.”