terça-feira, 10 de maio de 2011

A Ficha Limpa e a Lei no Tempo

Com esse artigo concluímos a trilogia sobre a incidência dos Princípios Constitucionais na Lei da Ficha Limpa. Tratamos da Anterioridade e da Presunção de Inocência nos artigos imediatamente anteriores, e agora, da Retroatividade e Irretroatividade, já que estes Princípios são também apresentados ao debate sobre constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. No meu entendimento, despropositadamente, como será claro mais adiante.

O primeiro afirma a possibilidade da aplicação da lei a fatos ocorridos mesmo anteriormente à sua existência, e não apenas aos da atualidade e futuros, enquanto o segundo consagra o direito adquirido e a segurança das relações jurídicas ao presumir que se a lei não existia, ou não era vigente (vacatio legis), por óbvio, não seria de conhecimento da sociedade – portanto não haveria o que se cumprir -, no primeiro caso, e no segundo, por não ser, ainda, direito positivado.

Especialmente na Ficha Limpa observamos a inauguração de uma nova lei no regramento jurídico positivo pátrio que estará a alterar outra lei existente e vigente, o que significa dizer que a lei estreante diz respeito a determinado tema consagrado e só a este será pertinente e alusiva.

Então nos questionamos: a Lei da Ficha Limpa altera as leis nela elencadas e impeditivas de elegibilidade? Ou ainda: guardam relações temáticas a Ficha Limpa e estas leis? Não concebo outra resposta, senão, absolutamente NADA!

Então, por que querem chamar ao caso os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade se a Ficha Limpa - Lei Complementar (LC) 135/2010 - altera outra LC, a 64/90, conforme o artigo 14, § 9º, CF, com quem guarda intimidade consentida e cuja temática é inelegibilidade, portanto restritiva?

A resposta que encontro é que estes, com o maior respeito, querem retirar a Ficha Limpa e as condições de elegibilidade do campo do direito eleitoral (hipóteses de inelegibilidade) para o do penal ou tributário (asseguram a irretroatividade da lei mais gravosa); usar dos sólidos e pertinentes argumentos que tais Princípios afirmam a estes últimos ramos do direito citados para perverterem a questão essencial, qual seja: a moralidade pública e a probidade administrativa, objetivos da Lei questionada. Pretendem evidenciar uma intimidade inexistente.

Isso se mostra ainda mais patente e manifesto, quando se socorrem no Pacto de San José da Costa Rica, artigo 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos, OEA: "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado." Ora, está-se a falar em condenação, pena, delito. Nós falamos de condições de elegibilidade, somente.

Quando a Lei exara que são inelegíveis os que forem condenados pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, por exemplo, significa interpretar que a sociedade, através de seus representantes e de um adequado processo legislativo, não os quer a tratar da res pública, não os considera aptos. Há que se admitir que não serão alcançados os que cometeram tais crimes antes da promulgação da Lei? Isto é Irretroatividade!

Penso negativamente, pois estamos a tratar de inelegibilidade, direito eleitoral, não de pena ou sanção, pertinentes ao direito penal, não cabendo, portanto, usar dos gratos valores constitucionais que os Princípios aqui chamados possuem, para em vez de prestigiarmos a retidão, valorizarmos o desvio.

Assim assertou Norberto Bobbio: "a condição de cidadania atribui ao indivíduo uma situação específica no sistema político, com um status que corresponde a um conjunto de funções. Mas a cada um destes corresponde um complexo de expectativa de comportamento." (Dicionário de política).

Não há também, pelos mesmos motivos - somados ao fato de não se estar a rever nenhum caso julgado – que se referir ao artigo 150, III, a, da Constituição Federal de que, "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

Não há, portanto, como admitir que a Ficha Limpa poderá retroagir e se aplicar e intervir em ato jurídico perfeito. Isso ocorreria caso a Lei viesse para revogar direitos e atos de algum detentor de mandato, o que evidentemente não é a que se propõe, e muito menos se discute em qualquer caso. Ou se viesse a alterar sentença judicial embutindo nesta a pena de inelegibilidade. Em ambas as absurdas hipóteses – forçadas pelos inconvenientes, mas bem intencionados, argumentos dos contrários – caberiam, sim, a boa aplicação dos Princípios aqui em evidência.

A Lei da Ficha Limpa tem como mérito conferido pela Constituição salvaguardar a sociedade disciplinando as situações de inelegibilidade; a impossibilidade do exercício do direito eleitoral passivo (ser votado). É um critério de seleção que visa prestigiar a moralidade e a administração da coisa pública, que não vai além de suas limitações e pretensões. Não é punitiva, mas seletiva; não impõe sanção, mas condição. Não altera outras leis - que não a 64/90 -, tampouco interfere em processos judiciais transitados em julgado ou em curso.

Aplicar Retroatividade ou Irretroatividade a uma lei significa afirmar que esta estaria, necessariamente, a provocar mudança em algum caso concreto julgado ou em julgamento. Ou, no direito tributário, assegurar ao contribuinte segurança em face dos insaciáveis governos ávidos por mais tributos.

Não há, pelas razões expostas, portanto, que se chamar a enfrentar a Lei da Ficha Limpa os Princípios da Retroatividade e da Irretroatividade.

Como dissemos no artigo anterior, por foça de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS, e agora por outra da OAB Federal, o Supremo há de decidir pela constitucionalidade ou não da Ficha Limpa, antes que se inicie o processo eleitoral de 2012, tornando claro o seu alcance.

Um comentário:

  1. Luiz Claudio da Cunha Almeida13 de setembro de 2011 às 09:12

    mais amigo, vocÊ diz nao se tratar de penal, mais vocÊ nao acha que ao impedir uma candidatura nao seria uma especie de pena? uma sanção proibitiva?

    mesmo você colocando como seleção, condição, mas você acha realmente e criticamente, que sai totalmente do contesto de uma pena?


    bom amigo, eu acho que pelo principio de justiça, deve-se passar a valer a partir de agora! não se deve jamais condenar alguem a algo, que antes num existia, que ele num tinha conhecimento de que ocasionaria tal fato!

    é como se, por exemplo, hoje você joga futebol, e sem querer se envolveu numa briga com um bebado onde foi indiciado por lesão corporal, ai daqui a uns 3 anos vem uma lei proferindo que quem possuir a ficha com algum delito será banido do esporte... seria justo, você ser banido do esporte, por causa de coisa que antes num fazia a menor diferença? ou seria justo passar a valer a partir dali?



    quero deixar claro que nao sou politico, só acho que quem decide é a população! a midia pode alertar "olha esse cara tem isso e aquilo na ficha" mas impedi-lo de exercer aquilo que talvez é seu sonho, sua realização pessoal... axo um absurdo


    sou estudante do 3º período de Direito do UBM de Barra Mansa,

    um abraço, e está de parabens pelo blog!

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